Um dos maiores debates da contemporaneidade no campo da História social, política e teológica é o papel da Igreja Católica Apostólica Romana na construção do Ocidente. É inegável em qualquer roda de debates e discussões o papel que a Igreja exerceu ao longo destes poucos mais de 1700 anos que ela está no poder no Ocidente. Ela é mais lembrada pelas desgraças do que pelas coisas boas que ela proporcionou para o homem europeu e porque não o homem contemporâneo. Mas, este papel da Igreja é amplamente contestado ao longo dos séculos. Atualmente vários autores que se dizem ateus baseiam suas argumentações no porque que a Igreja atrasou o mundo em séculos e como poderíamos ser caso ela deixasse de existir. São debates interessantes, mas em vários casos anacrônicos, vazios, tendenciosos e uma completa perda de tempo que alegra apenas leigos do assunto.
O neo-ateísmo parece ter se agarrado a seus antepassados já ultrapassados conhecido como Iluministas. Os filósofos, pensadores e teóricos deste período áureo do pensamento humano que ocorreu pouco após o inicio do século XVIII alegavam que a Igreja Católica proporcionou séculos de trevas e escuridão para civilização ocidental perseguindo, matando e amordaçando dezenas de estudiosos e cientistas que vinham com uma nova hipótese ou teoria que batia de frente com os dogmas da Igreja. Eles não deixam de estar certos em alguns pontos e ponderações que fazem contra a Igreja, mas em uma analise mais detalhada percebemos que os desenrolares dos fatos não foram bem como os iluministas pintaram. Então, vamos pensar um pouco sobre qual o papel da Igreja na sociedade ocidental.
Em primeiro lugar devemos trabalhar um pouco e de forma bem rápida quais são os pontos que os Iluministas dizem ser o lado negativo da Igreja. Bom, eles alegam que a Igreja Católica para manter-se no poder iniciou uma verdadeira caça as bruxas, no caso, aos hereges, pois viam em pensadores livres e cientistas (alquimistas, astrônomos, filósofos e teólogos) uma ameaça a sua hegemonia no que tange a busca pelo conhecimento. Se analisarmos o contexto histórico percebemos que a perseguição da Igreja teve fundamentos, pois quem está no poder não irá querer que apareçam outras fontes que podem minar ou porque não derrubar o poder da Igreja.
Até ai tudo bem, faz sentido às criticas Iluministas a Igreja, mas o grande erro deles foi jogar mais de 1600 anos de História da Humanidade no fogo por conta do papel da Igreja que nem em todos os casos fora negativo para a sociedade feudal do mundo medieval. Para inicio de conversa já é complicado demais para um historiador trabalhar uma década sem cometer erros graves como anacronismo, imagina 1600 anos? Ainda mais num mundo que neste período sofreu inúmeras e consideráveis mudanças tanto no pensamento quanto no campo da política, do conhecimento, da organização social e porque não na arte da guerra e entre outros. Analisar a Idade Média é complexo e intrigante. Cada período do mundo medieval tinha um contexto histórico nítido e que, sem usar a idéia de fatalismo ou de progresso, culminou em medidas que ficaram marcadas até hoje como, por exemplo, as Cruzadas, a Inquisição dos Hereges medievais, organização feudal entre outros. Em vários destes acontecimentos a Igreja estava ligada direta ou indiretamente aos acontecimentos que desencadearam algumas dessas passagens.
Enfim, desprezar o papel da Igreja no mundo medieval é algo completamente desaconselhável e que demonstra um desconhecimento sobre a própria história da Europa medieval. A Igreja chegou a um nível de poder que a palavra da mesma superava a palavra dos reis, algo que só pode ser vista no mundo medieval. Nem os sacerdotes babilônicos ou egípcios chegaram a um nível de poder tão alto como os sacerdotes católicos. Talvez possamos pensar um pouco sobre os druidas e seu papel na sociedade celta, mas enfim. Com este poder a Igreja conseguia interferir nas relações sociais do dia-a-dia, nas relações políticas entre senhores feudais, entre reinos, em ações diplomáticas entre o mundo cristão ocidental e o mundo oriental entre outros.
A Igreja proporcionou a sociedade ocidental grandes mudanças e grandes desenvolvimentos tecnológicos que os iluministas descaradamente fizeram o favor de negar e até mesmo esconder e que os neo-ateus andam escondendo covardemente. A Católica foi uma das poucas instituições que teve o trabalho de coletar, organizar buscas e arquivar milhares de documentos históricos de dezenas de sociedades e povos do mundo antigo propiciando a conservação dos mesmos para os pesquisadores atuais destes povos além de disponibilizar sacerdotes que davam suas vidas para traduzir e reproduzir estes documentos para a posteridade; fez ressurgir as universidades que desde a Queda de Roma e do mundo Helênico andaram sumidas do cotidiano das pessoas, criaram escolas tanto para nobres quanto para plebeus sem cobrar nada pelo ensino (mas ainda sim, o mundo medieval continuou tendo altos índices de analfabetismo tanto entre o topo da pirâmide social quanto e principalmente na base da mesma); patrocinaram grandes pesquisadores do campo da física, matemática, lingüística, direito, teologia (Tomás de Aquino e Sto. Agostinho), engenharia, artes, metalurgia, náutica, política e entre outros. A Igreja patrocinou e muito o avanço técnico e cientifico durante a Idade Média que de forma direta ou indireta culminou no período conhecido como Renascimento. Ora, esse avanço é muito visível nas catedrais e igrejas em estilo gótico do século X ao XVI. Para um povo que se afirma viver na escuridão total, construir verdadeiras obras primas da humanidade com tamanha técnica, imponência e uso de novas tecnologias seria algo abismal de se pensar. Mas claro, vamos pensar cada um destes tópicos em seu devido contexto histórico e o que fez que ocorresse tais desenvolvimentos. É fundamental que se tenha em mente o que ocorria naquele momento no mundo para que a Igreja patrocinasse um novo astrônomo ou filosofo. Tudo tem suas explicações plausíveis que jamais deverão ser deixadas de lado por hipótese alguma.
Não quero fazer aqui um auto de defesa da Igreja, pois seria pretensão demais tentar algo como este. Mas pelo que vejo nas discussões do mundo real quanto virtual, nas altas rodas acadêmicas e nos Best Sellers do neo-ateísmo e pró-cristianismo é uma tentativa de arrastar asinhas tanto para um lado da história quanto para outro, o que é extremamente errado! Tudo dentro da História deve ser analisado e não julgado. O que vejo por parte do ateísmo é um julgamento histórico anacrônico do papel da Igreja na construção do mundo Ocidental. Agarrando-se em conceitos e preceitos pra lá de batidos como o lado negro da história da Igreja, os ateus batem o pé que a Igreja foi algo nefasto para o mundo medieval e contemporâneo atrasando e matando quem não concordava com ela. O que não de todo correto, mas sim falácia em cima de falácia. Ora, se não fosse pela a Igreja não estaríamos aqui hoje, provavelmente o mundo teria tomado um desfecho totalmente diferente do que vemos hoje e que não necessariamente seria algo mais positivo para a humanidade. E os defensores da Igreja se agarram a falácias ainda piores alegando que a Igreja é um poço de moralidade e que guiou a humanidade para a Iluminação e para próxima de Deus. Ora, boa parte das atitudes da Igreja tinha por trás um papel puramente político, econômico e extremamente manipulativo onde quem ganhava mais lucros era a Igreja ou que pelo menos sofresse menos danos. Enfim, ambos os lados analisam uma história inexistente, ou criam estórias a cerca da Igreja. O julgamento que tanto neo-ateus quanto pró Igreja fazem da história do mundo medieval e do papel da Igreja na constituição do mesmo é algo totalmente desaprovado. Devemos estudar os processos que levaram a postura X ou Y da Igreja ou do poder secular. Devemos analisar o passado, não julgá-lo.
A Igreja fez coisas importantes para a humanidade e isso é inegável. Mas também seu lado negro acaba ofuscando boa parte desta contribuição da Igreja para o mundo! A Igreja jamais foi santa e nem os homens que a compõem. As perguntas e problemáticas que devem ser traçadas são as seguintes: o que ocorreu neste período X? Como estava o mundo neste período? Como poderes seculares e clericais lidaram com tal problema? No que resultou? O resultado de certa forma foi algo importante e por quê? Isso nos afeta como? Talvez com essas perguntas básicas, novos diálogos e novos debates acabam surgindo e lançando novas luzes para novas probabilidades reformulando assim velhos conceitos e conhecimentos dando espaço para uma nova visão do passado. Ainda sim uma pergunta paira no ar: como devemos pensar o papel da Igreja e suas devidas contribuições para o mundo?